Estação


Já era outono na parede quando eu cheguei de mala, cuia e um bocado de sonhos neste lugar que daqui pra frente vai abrigar minhas falas soltas sobre qualquer coisa e minhas frases preferidas pregadas no armário. A primavera está quase aí e, ao lado da minha cama, há uma árvore marrom tombada pelo vento, com folhas dispersas pela tinta branca do quarto. O antigo morador tinha bom gosto, pensei.


Era uma árvore assim que eu queria. Era aquela árvore que eu desejei, minutos antes de conhecê-la. Foi exatamente o que disse à minha mãe 'quero uma árvore na parede do quarto novo', ao que ela respondeu 'primeiro o mais importante, filha, depois os detalhes'. Por isso o meu espanto ao olhar a imensidão branca do quarto e encontrar o desenho do jeitinho que imaginei, mas logo entendi o que estava acontecendo: o vento.

O vento que tomba a árvore e espalha as folhas é o mesmo que me tirou do apartamento antigo. O vento que segurou a lágrima de despedida da antiga varanda, antiga vista, antigo encostar dos cotovelos nas grades do décimo sexto andar é o mesmo que me mostra a delicadeza de um detalhe que faz a gente se sentir amado.


O vento que sopra onde quer me trouxe para este bairro, esta vida, esta árvore, a minha árvore. Em setembro a primavera chega e o outono na minha parede vai permanecer. Pra me lembrar do Vento e da Sua vontade. Pra mostrar que um detalhe faz sim, toda a diferença. Pra afirmar, em qualquer estação, que eu posso não saber para onde vou, mas sei de onde vem o vento que me soprou para cá.

Indhiara Souza - Até a última letra
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